Sem mandato desde que passou a faixa presidencial para Jair Bolsonaro em janeiro de 2019, o ex-presidente Michel Temer (MDB) está longe de ser figura esquecida na política. Aos 80 anos, o emedebista segue como um forte articulador nos bastidores, tem sido um conselheiro para aliados e até integrantes do atual governo.
Em entrevista ao R7, Temer avaliou a situação enfrentada pelo Brasil atualmente, disse “não ser útil” tantos cargos ocupados por militares no governo, criticou a possibilidade de volta do voto impresso e tratou sua prisão, em março de 2019 no âmbito da Operação Lava Jato, como um “sequestro”.
Sobre a possibilidade de golpe por parte do presidente Bolsonaro, Temer considera não ser viável, avaliando que Bolsonaro não teria apoio das Forças Armadas. Apesar da aposta, o emedebista acredita que o Brasil pode enfrentar cenas de invasão ao Congresso Nacional, assim como ocorreu nos Estados Unidos com a derrota de Donald Trump, caso Jair Bolsonaro saia derrotado nas urnas no ano que vem.
R7 — Como foi o dia 31 de agosto de 2017, quando o senhor ocupou efetivamente o cargo de presidente da República?
Michel Temer — Assumi interinamente em 4 de maio de 2016. Definitivamente, no final de agosto. Tomei posse, mas já estava, se me permite a expressão, no embalo da presidência. Portanto, foi continuar. Eu já estava há quatro meses lá. Tínhamos tomado uma série de providências recuperadoras da economia. Evidentemente, a essa altura, eu teria dois anos e pouco pela frente e a responsabilidade era muito grande. Teria que me dedicar 17, 18 horas por dia para levar adiante o governo e a governabilidade. A sensação que tive foi com esse conteúdo, essas preocupações.
R7 — O senhor já vinha demonstrando uma ruptura com a presidente Dilma Rousseff. Ao assumir o poder, valia a pena preservar a gestão anterior?
Temer — Já tínhamos lançado, pela Fundação Ulysses Guimarães (FUG), o documento “Ponte para o Futuro”, quando eu ainda era vice-presidente. Naquele momento, a senhora ex-presidente entendeu que era um documento de oposição. Mas eu preservei muita coisa. Aqui no Brasil as pessoas têm a tendência de desmerecer os governos anteriores e não reconhecer fatos importantes que tenham se dado. Preservei programas sociais, tive que fazer um trabalho muito grande na economia para recuperar o Produto Interno Bruto.
R7 — O senhor acha que o atual governo trabalha contra esse legado na área econômica?
Temer — O governo atual deu sequência ao meu governo. Tínhamos feito reformas fundamentais para o país: trabalhista, do teto para os gastos públicos, do ensino médio. E tínhamos levado adiante a Reforma da Previdência. Num dado momento, saiu da pauta legislativa, mas não saiu da pauta política do país. Por mais de um ano, trabalhamos para convencer a população, o Congresso Nacional, já tínhamos os votos suficientes. Portanto, o governo Bolsonaro deu sequência ao que vínhamos fazendo. É claro que a pandemia zerou tudo. Houve grandes problemas e as coisas ficaram paradas. Mas ele não desmereceu o meu governo, não. A meu ver, deu sequência às medidas que tínhamos tomado.
R7 — Parece que ele tem uma tendência a desrespeitar o teto de gastos. Tivemos a apresentação de um novo programa de transferência de renda que vai exigir uma matemática criativa para ser colocado à tona. É ainda, nesse sentido, uma sequência ao governo do senhor?
Temer — No tocante ao teto de gastos públicos, há realmente muita postulação no sentido de furar o teto, vamos dizer assim. Isso é grave. Porque o teto, para os gastos públicos, é uma questão de responsabilidade fiscal. Você tem uma repercussão interna muito positiva e uma repercussão internacional mais positiva ainda. É a partir daí que se diz que o Brasil é um país sério. Eles levam a ferro e fogo a questão do teto para os gastos públicos. Há muita tentativa de furar o teto, mas a todo momento há gente tentando encontrar soluções que permitam, por exemplo, o aumento do Bolsa-Família sem furar o teto. As pessoas que estão no governo, a partir do Paulo Guedes, percebem que violar o teto causa uma repercussão muito negativa.
R7 — Quando o senhor assumiu a presidência, falava-se muito em golpe. Como o senhor reagiu? Ainda escuta isso na rua?
Temer — Pelo contrário. Na rua, posso caminhar, vou a restaurantes e sou cumprimentado, saudado. Jamais sofri algum tipo de agressão em relação ao meu governo. A história do golpe é porque as pessoas não leem a Constituição. Se lessem, iam perceber, de uma forma muito singela, que, toda vez que um presidente sai de um mandato, perde um mandato, renuncia, quem assume é o vice-presidente. Nos Estados Unidos, há a seguinte concepção: se o presidente perder o cargo, o vice-presidente tem que dar continuidade. Portanto, tem que saber de tudo. Aqui no Brasil, toda vez que o vice vai assumir, existe uma resistência muito grande.
Fonte: É Notícia