A esperada viagem de Jair Bolsonaro para os Estados Unidos às vésperas do fim do mandato destampou um pote cheio de cobras e lagartos que até há pouco estava hermeticamente lacrado no gabinete presidencial.
Em conversas registradas pela coluna, um auxiliar próximo do presidente conhecido por falar pouco e por sua lealdade ao chefe disparou impropérios que alcançam até a primeira-dama, Michelle Bolsonaro — chamada de “equivocada”, “teimosa”, “melindrada”, “má companheira”, “medíocre” e “falsa crente”.
Há mais adjetivos, alguns impublicáveis, e eles são dirigidos ainda ao pequeno grupo de militares que servem a Bolsonaro como estafetas de luxo — a turma é a mesma que vai acompanhá-lo na temporada americana.
Os motivos dos petardos são diversos. Vão desde o processo de convencimento que levou à decisão do presidente de viajar até a opção de Michelle por não acompanhá-lo.
Até esta terça-feira, a ainda primeira-dama estava decidida a não embarcar, embora na sexta passada ela tenha ido, discretamente, à seção consular da embaixada dos Estados Unidos em Brasília para tratar de seu visto americano.
“Viagem sem passagem de volta”
“É, por enquanto, uma viagem só de ida, sem passagem de volta. Ele tomou a decisão (de viajar para os Estados Unidos) baseado em teorias da conspiração desse grupo de militares que fica buzinando no ouvido dele 24 horas por dia, sete dias por semana”, diz o interlocutor, muito próximo do presidente. Para ele, Bolsonaro está errando ao deixar o Brasil agora porque passará a impressão de que está fugindo.
Os militares a que se refere o auxiliar são amigos que Jair Bolsonaro pôs no Palácio do Planalto como seus assessores especiais: o sargento da PM do Rio de Janeiro Max Guilherme de Moura, o capitão da reserva do Exército Sérgio Rocha Cordeiro, o coronel do Exército Marcelo Costa Câmara e o tenente do Exército Mosart Aragão Pereira.
Max Guilherme, Cordeiro e Câmara devem acompanhar Bolsonaro na viagem. O trio está na lista de oito que ele acabou de nomear para assessorá-lo a partir do dia 1º, na cota de funcionários bancados pelos cofres públicos a que ex-presidentes da República têm direito.
Medo de ser preso
“Esse grupo pilhou o presidente dizendo que se ele ficasse no Brasil teria o passaporte retido a partir do dia 1º de janeiro e, depois, seria preso. E ele acreditou”, afirma o interlocutor, conhecedor de alguns dos segredos mais bem guardados do Planalto no atual mandato presidencial.
“Esses caras são uns medíocres, despreparados. Só que são mais ouvidos do que outros assessores porque passam dia e noite ao lado dele. Se metem em tudo. Por estarem mais perto, conseguem convencê-lo.”
Avião da FAB e casa de fazendeiro
Nesta terça, estava tudo quase pronto para a viagem, que será feita em um jato da Força Aérea Brasileira, muito provavelmente o Airbus presidencial.
Bolsonaro se valerá do fato de ainda estar no cargo para voar em um dos aviões da frota oficial, que irá deixá-lo nos Estados Unidos e em seguida retornará ao Brasil. Uma equipe precursora já havia viajado para preparar a chegada do presidente.
Nos últimos dias, circulou a notícia de que ele se hospedaria no complexo de Donald Trump em Mar-a-Lago. Auxiliares palacianos, porém, garantiram à coluna que o destino será outro, também na Flórida: um condomínio de brasileiros na cidade de Orlando.
A casa preparada para receber Bolsonaro foi cedida por um apoiador, um fazendeiro. A data exata da partida para os Estados Unidos ainda não estava 100% definida. Embora o noticiário desse como certo que seria nesta quarta, uma fonte a par da programação disse que provavelmente o embarque se dará na sexta.
Os impropérios contra Michelle
A iminência do fim do mandato tem levado auxiliares tidos como ultraleais a Bolsonaro a desabafarem de maneira inesperada. Por virem de onde vêm, são desabafos um tanto surpreendentes, inimagináveis até há pouco. Nessa onda, sobrou — e sobrou feio — para Michelle.
Falando em off à coluna nesta terça, o mesmo interlocutor íntimo do presidente disparou um conjunto de impropérios contra a primeira-dama ao responder por que ela não pretende acompanhar Jair Bolsonaro na viagem aos Estados Unidos.
“Patético. Ela não vai porque não quer ir, porque não é e nunca foi companheira. É uma teimosa, equivocada, melindrada, medíocre. Nos momentos mais importantes, ela não quis ajudar”, diz. “Ela sempre agiu para separar o presidente dos filhos. Por várias vezes, quando precisamos, ela não se dispôs a contribuir com o governo. Na pandemia, por exemplo, surgiu a ideia de ela entregar respiradores, de visitar hospitais, mas ela não topou, mesmo sabendo que isso era importante (para Bolsonaro).”
“É uma pessoa má”
Esse mesmo auxiliar, que esteve muito perto do clã presidencial desde o início do mandato, diz que Bolsonaro queria muito que Michelle o acompanhasse na viagem de agora aos Estados Unidos, mas ela vinha batendo o pé em sentido contrário — a decisão era tida como algo passível de mudança em cima da hora, mas até aquele instante prevalecia a vontade dela de não embarcar.
“Seria bom que ela fosse, e que a filha deles (Laura, de 12 anos) também fosse. É a primeira viagem para fora depois da derrota, e é um momento importante para ele. Mas a Michelle se nega. Ela não é nada disso que tenta mostrar ao público. É uma pessoa má, uma falsa crente”, fuzila o mesmo auxiliar do presidente, num tom algumas vezes acima do habitual.
Confusões familiares
Na mesma toada, o auxiliar faz inconfidências sobre as confusões do clã. Conta que, na reta final da campanha, Michelle teve mais um grave entrevero com Carlos Bolsonaro, o filho 02 do presidente. Graças a esse quiproquó, diz, Jair Bolsonaro foi psicologicamente abalado para o último debate antes do segundo turno, o que teria interferido em seu desempenho.
“Ele estava preparado para o debate. Tinha sido municiado com boas informações para se sair bem. Mas por causa dessa confusão, chegou abalado, e por culpa dela.”
O graduado interlocutor presidencial, cuja identidade está preservada a pedido, diz mais. Afirma que, mesmo sabendo do plano de Bolsonaro de passar um tempo nos Estados Unidos, Michelle queria mesmo era resolver a própria vida por aqui, e o pressionou a alugar ou comprar uma casa para ela e Laura viverem em Brasília. Foi por insistência da primeira-dama, diz, que o presidente mandou que assessores buscassem um imóvel na região do Lago Sul, de preferência em um condomínio fechado. “Talvez estejamos diante do capítulo final do relacionamento, que já vinha muito mal há um tempo”, arrisca.
As crises de Bolsonaro, ao que tudo indica, estarão bem longe de terminar junto com seu mandato — esteja ele onde estiver.
Fonte: Primeiras Notícias